Plano Real – Gustavo Franco: A reconquista do futuro

Artigo do ex-presidente do BC explica como o País ficou mais rico

Notícias - 01/07/2009

Em Brasília, onde tudo começou, pode ser encontrada, e muito bem achada, uma boa imagem do que se passou no Brasil nesses últimos 15 anos: o Sudoeste, um bairro novo, onde o metro quadrado em qualquer dos belos prédios ali construídos custa para cima de 10 mil reais. Um amigo que foi morar ali em 1993, começando a vida, conta que a região, naquele tempo, era distante, deserta e barata de se morar, e que todos a conheciam como o “Faroeste”.

A valorização do Sudoeste está longe de ser uma história isolada; na verdade, há prédios espelhados onde moravam cabras vadias por todo o país. E em nenhum lugar este enredo é mais impressionante que no centro de São Paulo, precisamente na Praça Antonio Prado n. 48, endereço da Bovespa. Não se trata aí propriamente de valorização imobiliária: no segundo semestre de 1993, quando as expectativas sobre o final do governo Itamar Franco pareciam semelhantes às do fim do governo Sarney, quem quer que apresentasse um cheque de US$ 80 bilhões poderia ter comprado todas as empresas listadas naquela recinto, incluindo a Petrobrás, a Telebrás e todo o resto.

Esse mesmo cheque em julho de 2008 chegou a beirar o espantoso valor de US$ 1,7 trilhão, mas provavelmente ultrapassará o 1º de julho de 2009, 15º aniversário do Real em torno de US$ 1,0 trilhão e com cerca de uma centena de empresas listadas no Novo Mercado. Como percentuais do PIB, as empresas de capital aberto no Brasil valiam o equivalente a uns 15% em 1993, algo como um PIB inteiro no pico de 2008, e hoje um valor na faixa de 2/3 do PIB, e subindo.

Esse monumental movimento de criação de riqueza não se explica propriamente através do crescimento observado do PIB, que pouco mais que dobrou, medido em dólares, de 1993 a 2007, passando de US$ 429 bilhões a US$ 1,3 trilhão.

Na verdade, a criação de riqueza nesses 15 anos teve que ver com novas e melhores percepções  sobre o crescimento do PIB no futuro, esta, talvez, a maior conquista do Real. Não há nada misterioso nesse raciocínio: o valor de uma empresa, como o de um apartamento no Sudoeste, tem a ver com o fluxo futuro de rendimentos que produz trazido a valor presente, lucros ou alugueis, o cálculo é o mesmo. A monumental valorização efetivamente observada se explica por expectativas melhores para os fluxos de rendimento, e, principalmente, por uma taxa de desconto menor para se trazer os valores futuros para o presente. É como se o futuro ficasse mais próximo, ou como se os termos de troca entre o presente e o futuro, ou o “preço do amanhã”, para usar a expressão de Eduardo Gianetti, ficassem mais favoráveis.

Não há dúvida que é esta reconquista do futuro que explica o fato de que nos 15 anos completos em 1º de julho de 2009, observando-se apenas na Bovespa, sem contar o Sudoeste e fenômenos similares em toda parte, o país fica mais rico uns US$ 700 bilhões, ou cerca de meio PIB.

Este, na verdade, é um efeito muito palpável da “estabilização”, que se soma aos efeitos pelo lado dos fluxos, pertinentes à distribuição da renda. Todos aprenderam a conhecer o modo como a inflação funciona como “tributação”, incidindo principalmente sobre o pobre; e, em conseqüência, as lideranças políticas aprenderam, depois de muito relutar, que a “estabilização” é popular.

Gustavo Franco foi presidente do Banco Central

A SEGUIR, ENTREVISTA DE GUSTAVO FRANCO AO ESPAÇO ÚLTIMO SEGUNDO, DO SITE IG:

Em entrevista ao Último Segundo, Gustavo Franco, que presidiu o Banco Central entre agosto de 1997 e janeiro de 1999, e atualmente é estrategista-chefe da Rio Bravo Investimentos, diz que o Plano Real livrou a economia brasileira “de um câncer terminal”, mas reconhece que transformar o país “em um atleta olímpico” é tarefa para os próximos 15 anos. O desafio que virá, segundo ele, é garantir o crescimento sustentável da economia, melhorando a situação fiscal do país. 

Confira a íntegra da entrevista:

Último Segundo – Ao longo desses 15 anos de Plano Real, o que deve ser comemorado?
Nós nos livramos de um câncer terminal e conseguimos recuperar a saúde do paciente. Não a ponto de ele se tornar um atleta olímpico, mas isso fica para os próximos 15 anos.

O “câncer terminal” a que o senhor se refere é a hiperinflação?
A inflação média do primeiro semestre de 1994 foi de 7.300 % ao ano. No primeiro ano do Real, conseguimos trazer a 33% ao ano, nos primeiros 12 meses terminados em julho de 2005, e mais um tempo para trazê-la abaixo de 5%. Finalmente em 1998, a gente conseguiu 1,7% ao ano para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Ter chegado a esse nível foi fundamental para conseguirmos desindexar os contratos e a cabeça das pessoas. Provou-se que o Brasil poderia ter uma moeda e inflação de primeiro mundo. Ninguém acreditava nisso em 1994. Uma vez provado, as pessoas passaram a se comportar como se isso fosse a normalidade e, a partir daí, tudo ficou mais fácil.

E o que a equipe econômica esperava comemorar, mas que não pode ser comemorado?
Foi uma guerra, especialmente nos primeiros tempos. Como em uma guerra, você tem batalhas que ganha, mas perde tropas, tem gente ferida. Algumas soluções tomadas poderiam não ser as ideais, mas eram as possíveis. Fizemos o melhor dentro de circunstâncias difíceis. Não consigo imaginar como seria, se tivéssemos feito coisas diferentes. Em situações como aquela, não dava para fazer o ideal. Às vezes, ganhamos de 1 a 0, com gol de mão no final. Outras vezes, a vitória vem mais fácil. Foi um longo campeonato, mas o importante foi ganhar o campeonato.

Como o Plano Real vai ficar marcado na história brasileira?
Eu acho que já marcou e, aliás, está marcado no bolso da população brasileira. Vai ser, provavelmente, a nossa moeda para o resto da vida. Não vejo nenhuma razão para a gente mudar de moeda. Possivelmente, somos recordista mundial em mudança de moeda. Tivemos oito padrões desde 1942, quando o Cruzeiro substituiu os Réis.

E como o senhor espera ser lembrado?
Fui um mero membro de uma equipe. Tive uma responsabilidade dentro de um grupo grande de pessoas. Não acho que seja importante a gente ressaltar o sentimento de posse, já que um elemento de importante apreço pela coisa publica é justamente ter clareza que a coisa não é sua. Não tem coisa mais publica que a moeda. A coisa é do país. Hoje, é importante que o Real seja visto como uma criação do Brasil, não do PSDB ou de ninguém.

Quais são os desafios para a economia nos próximos 15 anos?
Sem dúvida, o maior desafio para os próximos 15 anos é o crescimento sustentado. Ainda não conseguimos nos desintoxicar inteiramente do problema que gerou a inflação no passado, e que hoje gera o juro. Os juros no Brasil ainda são muito altos e a razão para isso é a situação fiscal, que ainda não é a melhor que a gente pode ter e é onde a gente tem de progredir. Se tivermos finanças publicas de primeiro mundo, teremos juros de primeiro mundo e um crescimento muito melhor.

O senhor acredita que o Real pode ser uma moeda regional?
Eu acho que sim. Não sei se uma moeda de uso nos contratos de comércio exterior, mas seguramente o Real já é uma moeda relevante para o investidor financeiro pelo mundo. Acho muito difícil retirar o dólar do seu papel de moeda de comercio exterior, mas o Real vem avançando gradativamente como uma dessas outras moedas relevantes e esse papel só tende a se ampliar no futuro.

Quais eram os temores da equipe econômica às vésperas do lançamento do Real?
Os temores todos (risos). A situação era muito difícil e tudo poderia dar errado. Eu acho que nós aproveitamos bem os insucessos anteriores para fazer uma bela síntese de boas ideias, que no passado tinham sido implementadas, mas sem sucesso, por faltar um compromisso mais sério com a saúde da moeda. Mas tinha uma infinidade de detalhes da fase de URV, que era uma operação delicada, que mexia com a vida de todo mundo, e tudo precisava ser feito com precisão para não haver desequilíbrio. Depois disso, a partir de 1º de julho de 1994, era um combate à inflação mais convencional, com política fiscal, monetária, cambial, em que muita coisa poderia dar errado. Tínhamos ainda privatizações, uma crise bancária, que a gente conseguiu não deixar estourar e levar as coisas relativamente sem tumulto até resolver o problema. Foram mais de 100 bancos liquidados nos primeiros anos do Real sem que isso tivesse causado ruptura na economia. É só olhar o que acontece hoje para perceber o impacto de uma crise bancária na economia.

No último domingo (28), o jornal O Globo publicou que os temores de um possível fracasso do Real levaram a equipe econômica a imprimir 130 milhões de cédulas de R$ 100. Essa história é verdade?
Procede, mas há um certo exagero. Havia uma diferença de opinião sobre quanto seria necessário imprimir, porque havia uma estimativa de qual seria a inflação do Real, quanto tempo demoraria para chegarmos a uma inflação igual a dos Estados Unidos. Na pratica levou 30 meses, mas poderia ter sido 60. Se levasse 60 meses, (o Real) morreria no caminho. Chegar abaixo de 10% em cerca de 22 meses foi o suficiente para a gente não precisar (das notas). Para assegurar o sucesso do plano, a nota de R$ 100 ficou lá sobrando, mas não é dinheiro jogado fora, porque acabou entrando em circulação. Até hoje, temos nota de R$ 100 assinada pelo (Pedro) Malan (ex-presidente do BC entre 1993 e 1994). Eu mesmo não assinei nota de R$ 100, quando fui presidente do BC.

O Real foi antecedido por seis planos desde 1986. Quais fatores fizeram com que ele não fosse apenas mais uma tentativa frustrada?
O fundamentalismo foi o diferencial. Foi o diagnóstico de que a inflação brasileira não era acidental, nem estrutural. Era, na verdade, o sintoma óbvio do excesso de fabricação de moeda, decorrente da situação fiscal fora de controle, como são todas as inflações que a história da humanidade registra. Durante outros planos, quisemos nos enganar que a inflação brasileira era diferente, e não é não. Então, o primeiro dos planos que assumiu que tínhamos uma doença fiscal foi o que deu certo. Aliás, como em qualquer tratamento médico, começa acertando o diagnóstico para não usar o remédio errado.

Desde o seu lançamento, o Real já enfrentou, pelo menos, oito crises de diferentes impactos e proporções [México (1995), Ásia (1997-1998), Rússia (1999), Argentina (2001), 11 de setembro (2001), Apagão (2001), Eleição de Lula (2002) e EUA (2008-2009)]. Podemos dizer que temos uma moeda blindada contra crises?
É presunção falar de blindagem. Acho que não. Porém já dá para dizer com relativa segurança que o risco de volta à inflação de dois, três, quatro dígitos está afastado. Desde 2002, pode-se dizer que está afastado. Desde então, a gente vive um sistema de metas de inflação que tem os seus ciclos de subida e descida de juros com a inflação que jamais ultrapassou 10%. Desde 2003, 2004 a inflação está abaixo de 7% aproximadamente, e agora possivelmente caindo abaixo de 4%. Nesse sentido, temos todas as condições para manter as coisas sob controle. Vamos ter crises no futuro, a gente não sabe bem de onde ou de que natureza, mas é uma certeza no sistema em que a gente vive. Mas agora o organismo está muito mais sadio do que jamais esteve. Por isso, tem toda condição de vencer a próxima crise, como venceu essa.

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01/07/2009